domingo, 26 de abril de 2015

Obrigado? Obrigada?

Ainda se usam?

Contrariando algumas expectativas, sim. E alguns vão discordar, pois veem a Língua com outros olhos.  Existem atitudes - e expressões que as acompanham - que fazem parte de nossa cultura e tradição.  O agradecimento (ou reconhecimento) está entre elas e chega a dizer algo sobre a pessoa que o manifesta.

Na vida profissional, expressões como "por favor", "com licença", "por gentileza", "por obséquio" (este, menos comum hoje), "obrigado" e "muito obrigado" (e suas flexões) abrem portas na comunicação.  

A origem do "obrigado"  remonta ao ideal cavaleiresco de alguém ter sido favorecido por outrem, geralmente pelo fato de, numa batalha, ter sua vida salva; consequentemente, prometer a retribuição. Talvez pela graça da vida (mercê em português; no francês, "merci") poupada, o cavaleiro empenhasse suas ações em devolver na mesma moeda: salvando a vida de quem havia salvado a sua.(1)  Algo parecido com "Olho por olho, dente por dente". Para comprovação, basta lembrarmos  do filme Robin Hood, daquela versão com Kevin Costner e Morgan Freeman O herói branco salva a vida do negro - logo no início do filme - e ele, em retribuição, passa a vida cuidando do seu salvador.  O filme todo prova essa dedicação até o final, quando o negro salva a vida do branco, matando a bruxa. Nesse momento, o negro está liberto da obrigação e afirma que pode viver sua vida.  Há quem veja nisso servidão, mas no contexto, na história,  é gratidão. Para nós, o agradecimento é sinal de educação e - muitas vezes -  esperado e desejado. 

Ao agradecer, tenha em mente esta informação: o adjetivo (obrigado) concorda com o sujeito (falante).  Reconstruindo a frase, seria: Pelo favor que me prestou, ao salvar minha vida, eu me sinto obrigado a devolver-lhe na primeira oportunidade em que de mim você vier a precisar. Isso se o falante for do sexo masculino. Se for do feminino: ...eu me sinto obrigada a...   Esse obrigado/obrigada equivale a grato/grata.

          IMPORTANTE:  Esses adjetivos, nos agradecimentos, concordarão sempre
                                     com o sujeito (com o emissor) e nunca com o receptor

Dessa longa frase restou hoje, na correria do dia a dia, um "Obrigado/ Obrigada". Na boca dos econômicos, apenas o disforme  "Brigad"; na dos informais, um "Valeu!"   Agora, os menos comuns - mas corretos: obrigados, obrigadas.  Se esses adjetivos concordam com o falante, caso seja um sujeito composto, o adjetivo flexionará.  É o caso do predicativo do sujeito que concorda com o sujeito: O menino é feliz. Os meninos são felizes.  Se eu me sinto obrigada (porque sou mulher), nós nos sentimos obrigadas (= gratas). 

Você deve dizer: "É horrível!" Não se esqueça de que aquilo que nos parece diferente tendemos a repudiar. Muita cautela com o preconceito linguístico: o diferente nem sempre quer dizer errado.

No caso de e-mails empresariais, se você redigiu como "nós" (solicitamos, encaminhamos), no fecho você usará "Gratos" ou "Obrigados", para manter a coerência textual. Se você agradecer em seu nome e no de outra pessoa, não hesite: "Obrigados!" (ou "Obrigadas!"). Se tudo isso for "demais da conta" como dizem os amáveis mineiros, use "Agradecemos suas providências." ou "Agradecemos sua atenção/ suas considerações/ sua compreensão." E pare por aí. 

Obrigada pela paciência. Boa semana!
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(1) Essa explanação foi-nos transmitida em sala, quase em nota de rodapé a título de exemplo histórico,  em aula de Filologia da Língua Portuguesa, em 1977, pelo eminente professor Dr. Segismundo Spina, de quem tive o privilégio de ser aluna e sob a tutoria de quem trabalhei como professora nos meus primeiros anos, como auxiliar docente, na USP. (Pena que não haja backup de professores como ele...)

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Semântica é muito bom!

Semântica é a parte da gramática que estuda os significados. Ela é considerada quase uma arte, pois a escolha dos vocábulos dignifica (ou prejudica) uma mensagem e delineia aos leitores o perfil do autor, sua intenção ao escrever.  

O texto de hoje é de Leilane Neubarth, jornalista que demonstra preocupação na escolha e na interpretação dos vocábulos.  Pincei o texto por julgá-lo adequado ao momento pelo qual nós, povo do Brasil, passamos.  É caso de se pensar... 

Brasiliana


Foi no século passado, lá pelos anos 90. Conheci um homem magnífico cuja estatura intelectual contrastava com o porte físico. Miúdo, o professor Antonio Houaiss me impressionou com seu jeito tranquilo, especialmente pela maneira como se expressava. Um gigante com as palavras. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras, escritor, tradutor e fez o dicionário que tantas vezes me socorreu. 

(Sim, sou antiga, do tempo do dicionário de papel...) 

Inquieta, com 30 e poucos anos, deixei transbordar, já naquela época, minha preocupação e insatisfação com a falta de noção do brasileiro sobre nação. “Boa mistura de palavras”, ele disse — noção e nação... E sorriu.

Eu me queixava da maioria dos governantes e administradores públicos, em todas as instâncias e de diferentes partidos. Pessoas que só pensam no seu próprio bem-estar, remuneração — lícita ou ilícita — ou em conseguir votos.

Gente que destrói bons trabalhos e iniciativas, feitos para a nação, se eles tiverem sido realizados por alguém de um partido que pareça oposição. Gente capaz de inventar uma obra que serve ao nada, a coisa nenhuma — ou até ao “coisa ruim” — se puder camuflar dizendo: “Foi feita para o povo brasileiro.”

Eu me lamuriava e o professor me olhava... Quando parei de desfiar meu rosário de desesperança, ele disse: “Minha filha, o problema está no sufixo.”

Eu, perdida, caçava na memória as aulas de português da Dona Mariazinha (foi ela, a mãe da poeta Ana Cristina Cesar, que me despertou o gosto por alinhavar palavras).

Voltando ao professor... “Sufixo”, ele disse. Mas não fazia sentido. Como explicar a falta de sentimento de nação por meio de um sufixo? Sim, eu lembrava: sufixo é o elemento usado na formação de palavras pelo processo de derivação, ou seja, é o final de uma palavra.

Diante da minha indisfarçável perplexidade — ou pura ignorância mesmo —, professor Houaiss me socorreu explicando: o sufixo de nação é “ano” ou “ês”. Vamos lá: americano, australiano, italiano, africano, mexicano... Ou francês, português, inglês, japonês... Cada vez mais atônita, só conseguia pensar por que raios não somos BRASILIANOS.

Mas ainda não me servia como explicação para a usurpação costumeira do bem público. Aí o doce garimpeiro de palavras arrematou dizendo: “O sufixo ‘eiro’ é de profissão: padeiro, carpinteiro, jardineiro, pedreiro...”

Eu, boquiaberta, como você deve estar agora, imaginando quantas pessoas vieram para cá ser BRASILEIROS. Ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios, florestas... Milhões ao longo de cinco séculos usando o Brasil como profissão em vez de trabalhar para ele, por ele, pelo nosso povo, pela nossa nação.


O raciocínio me deu um certo alívio. Estaria no sufixo a explicação (não a justificativa, veja bem) para os escândalos e denúncias de corrupção como Petrolão, Mensalão, Operação Sanguessuga, Anões do Orçamento e tantos outros? Será...?  Pelo sim ou pelo não, sufixo ou não, como respeito a energia das palavras, desde esse longínquo episódio, afirmo categoricamente: sou BRASILIANA, com muito orgulho. 

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Publicado na revista O Globo, em 29.03.2015.                                                                                                                     Disponível em: http://toma-mais-uma.blogspot.com.br/2015/03/brasileiro-o-problema-esta-no-sufixo.html

sábado, 11 de abril de 2015

Ver e Vir

Derivações nos verbos irregulares 


Do mesmo modo que aprendemos, em outras línguas ocidentais - como o inglês - tempos primitivos e derivados, em Português  podemos derivar - com sucesso - o tempo futuro das possibilidades e incertezas (Futuro do Subjuntivo). É o tempo que encontramos nestas formas: se você puder, se nós quisermos, quando elas trouxerem, depois que eu fizer.  É uma forma derivada daquele tempo que aprendemos, na infância, como passado (o "ontem"). 

Para conjugarmos corretamente, buscamos a 3.ª pessoa do plural do Pretérito Perfeito do Indicativo. Ex.: (Ontem) eles puderam.  Isolamos a desinência (terminação) dessa pessoa  -am. Teremos, imediatamente, a primeira pessoa do Futuro do Subjuntivo: Se (ou quando) eu puder. Agora, é só  flexionarmos nas demais pessoas: se tu puderes, se ele/ela puder, se nós pudermos, se vós puderdes, se eles/elas puderem.

Veja o que ocorre nos exemplos do primeiro parágrafo -  se nós quisermos, quando elas trouxerem, depois que eu fizer: 
          (ontem) eles quiseram > -am > se eu quiser;
                       elas trouxeram -am > se eu trouxer;
                       eles fizeram -am > se eu fizer. 

Vamos aplicar essa mesma regra a dois verbos (ver e vir)  - e seus derivados - que têm causado tropeço a muitos executivos em seus relatórios e exposições: 
          VER   -   (ontem) eles viram > -am >  se eu vir (tu vires, ele vir, nós virmos, vós                                                                                 virdes, eles virem).
                  Exs.: Se você vir que vai chover, leve guarda-chuva.  Quando vocês virem                                 Paulo, digam-lhe que precisamos das aprovações nos projetos.

          VIR   -   (ontem) eles vieram > -am > se eu vier (tu vieres, ele vier, nós viermos, vós                                                                   vierdes, eles vierem).
                  Exs.: Quando vocês vierem à reunião, tragam as planilhas.  Se viermos à                                    fábrica na próxima semana, João estará conosco.

Isso parece estranho e difícil (porque não estamos acostumados a ouvir o correto), mas é fácil acertar essas formas, como você pôde ver.  Aplique essas informações também aos derivados de 
                    VER - prever, rever, antever.   VIR - antevir, convir, revir (vir outra vez)
Assim, você terá os corretos:
         Se você previr uma desvalorização da moeda para exportação, aplique ...
         Quando Paulo revir a proposta, certamente verificará as taxas a serem cobradas.
         Sua resposta não terá valor se você antevir a prova.
         Se anteviermos, isto é, chegarmos mais cedo, poderemos discutir esse assunto. 
         Faremos isso se nos convier. 
                  
Você pode brincar com outros verbos irregulares, aplicando essas informações. Sempre darão certo.  Se você as mantiver em uso, melhor ainda! 

Pratique e divirta-se! 

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Leia  também em http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/qual-o-jeito-certo-de-conjugar-o-verbo-ver-e-o-verbo-vir. Acesso em 11.04.2015. 

domingo, 5 de abril de 2015

Fraseologia latina

Expressões em Latim

 

Por três motivos abro hoje esta página de expressões latinas que nos remetem a frases que as podem conter com acerto.  O primeiro é a lembrança de um amigo, colega e professor de Língua e Literatura Latinas na USP, colega e professor de Língua Portuguesa na Graduação da FIA;   pessoa queridíssima, criatura apaixonante,  partiu cedo demais, em abril do ano passado, deixando-nos com as saudades e as lembranças de momentos de cultura e diversão. Ele foi a única pessoa que conheci que, por amar tanto o time pelo qual torcia, traduziu o hino do clube para o Latim: Prof. Homero Osvaldo Machado Nogueira. Ave, Corinthians!  Ave, Homere! O segundo é a necessidade de recuperarmos essas expressões para usá-las adequadamente e com segurança, em contextos que as aceitem e justifiquem. O terceiro é meu amor pelo Latim.  Por tudo isso, não posso vê-las empregadas erroneamente. 

E, por ser Páscoa, vou começar pela expressão da Ressurreição de Cristo, quando - procurado no sepulcro - não mais ali estava: (Re)Surrexit, non est hic!  (Não está aqui. Ressurgiu!) Eis a boa nova (do grego, ευαγγελιον): a ressurreição do Senhor.

Vamos às expressões selecionadas para hoje. 

Ab absurdo - por absurdo.  O método ab absurdo é frequentemente empregado nas demonstrações não apenas em geometria, mas também nas dissertações argumentativas: Chegaram a defender suas alegações ab absurdo.

Ab origine - desde a origem; desde o princípio: Peço-lhe que relate os fatos ab origine.

Abyssus abyssum clamat - um abismo chama outro abismo. Expressão no Salmo 42, versíc.7. Dizemos que uma falta origina outra. Emprega-se, também, no caso de pessoas que buscam ocultar uma mentira com outra. 

Ad augusta per angusta  (variante de e equivalente a Per aspera ad astra) -  a resultados sublimes, por caminhos estreitos (por veredas difíceis chega-se aos astros).  Não se chega ao triunfo, sem vencer dificuldades.  Emprega-se no esforço de chegarmos ao que desejamos.

Ad hoc - para isso, para essa função ou situação:   Na reunião com os concorrentes, Silvana, nossa Diretora Financeira, foi indicada secretária ad hoc.  Paulo Célio é o gerente ad hoc, um homem competente nessa matéria.

Ad  aeternum - para sempre: Somos amigos ad aeternum. Guardaremos ad aeternum os bons momentos passados na Pós-Graduação. 

Alea jacta est - a sorte está lançada. Frase atribuída a Caio Júlio César quando se preparava para atravessar o Rubicão (49 a.C.). O Rubicão era fronteira, na época, entre a Itália e a Gália (atual França) Cisalpina.  Havia uma lei romana que impedia um general atravessá-lo com suas tropas.(1)  César, segunda uma inspiração visionária,  ousou cruzar essa barreira, desobedecendo às ordens do Senado e proferiu a expressão. A sorte estava lançada. Entrando em Roma, depôs Pompeu e assumiu o governo vitalício. Em decorrência disso, a expressão "atravessar o Rubicão" passou a ser usada para referir-se a qualquer pessoa que tome uma decisão arriscada de maneira irrevogável, sem volta. 

E, por começarmos uma nova semana, vou parar por aqui, pois ars longa, vita brevis est. 

Bons negócios. 


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(1)  Ver: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/2499/conteudo+opera.shtml 
          e http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Rubic%C3%A3o.