sábado, 19 de setembro de 2015

Este x esse x aquele - Cuidado com "o mesmo"

Dêiticos (mostradores) anafóricos e catafóricos.

Em nossos discursos, sentimos necessidade de apelar para as referências num esforço de reunir mesmas ideias sem repeti-las.  Para tanto, empregamos pronomes ("palavras que substituem nomes").  

Os mais comuns são os pessoais: eu, tu, ele, ela,  nós, vós, eles, elas; me, mim, comigo, te, ti, contigo; o, a, lhe, se, si, consigo; nos, conosco; vos, convosco; os, as, lhes.  Seguem-se os demonstrativos (dêiticos): este, esta isto; estes, estas; esse, essa, isso; esses, essas; aquele, aquela, aquilo; aqueles, aquelas, que podem juntar-se a (ou fundir-se com) preposições: deste, nesse, àquele.   Os demonstrativos de reforço fazem parte desses últimos: o mesmo, a mesma, os mesmos, as mesmas - mas, cuidado, pois não podem funcionar em lugar dos pessoais, por servirem apenas de reforço.  Empregar esses demonstrativos de reforço como pessoais é uma impropriedade. Um exemplo desse erro fez parte de uma página do Orkut  com o título de "Eu tenho medo do mesmo", nascido das placas de advertência nos elevadores: 
                                 Senhores usuários/passageiros
          Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se 
          parado neste andar.(1)  
      
Com a brincadeira, buscou-se mostrar que "o mesmo" era um monstro e os usuários dos elevadores deveriam ter cuidado ao neles entrarem, para que "o mesmo" não os pegasse.  Brincadeira à parte, não se empregam esses demonstrativos de reforço em lugar do pronome pessoal. O emprego correto, no dia a dia, seria: 
          Deixe esse material aí, pois eu mesma levarei para a reunião com o cliente. 
          Ele mesmo trouxe as informações de que precisávamos.
          Pediram-nos que nós mesmos déssemos a notícia ao fornecedor.
          Isso é atribuição delas, delas mesmas

Dêiticos anafóricos (aná, em grego, significa movimento para cima, para trás, separação) são aqueles pronomes que apontam para algo que foi dito ou escrito:

          Lembra-se daquele brinquedo que demos ao Luís, no aniversário desse?
  
Os dois anafóricos negritados referem-se ao passado:  daquele prende-se a um passado vivido pelo emissor e receptor da mensagem; desse refere-se a uma criança cujo nome foi dito: Luís.  Num texto empresarial, teríamos: 

           Compramos duas empilhadeiras para o novo depósito.  Essas máquinas 
           chegarão na próxima semana.

Se você fizer menção ao que passou no texto, ao que foi dito, ou ao receptor, usará os anafóricos : naquela data, desse setor (do receptor), daquela empresa (de uma terceira pessoa).     

Dêiticos catafóricos (catá, em grego, significa movimento para baixo, para diante)  são aqueles pronomes que apontam para algo que será dito ou escrito:

          Contaram-nos isto: os preços serão novamente reajustados neste mês. 
          Só estes gerentes participarão da feira: Henrique, Magno e Sidney.

Como você pode perceber, os catafóricos geralmente pedem dois pontos, por anunciarem o que será dito.   Num relatório, num e-mail,  ou na redação de um TCC,  os catafóricos apontam para quem assina, para quem é responsável  por aquele texto (do emissor): este autor, desta área, nesta cidade.  

Se você fizer menção ao que passou no texto, ao que foi dito, ou ao receptor, usará os anafóricos: naquela data, desse setor (do receptor), daquela empresa (de uma terceira pessoa).  

Neste fim de semana (porque ainda estamos nele), corrigirei algumas provas.  Essas (ou não coloque nada, nesse local, porque não há necessidade - continuo falando das provas) foram feitas na semana passada e referem-se à seleção para  auxiliares administrativos desta empresa. Fui clara?  

Boa semana. 


__________
(1)  Esse texto, bem analisado, apresenta cinco erros: dois de concordância, um de pontuação (falta uma vírgula obrigatória) e duas impropriedades.  

domingo, 13 de setembro de 2015

Sintaxe: acréscimos desnecessários

Hoje enfatizo algumas construções (incorretas) muito comuns nos trabalhos que li recentemente e na boca de alguns palestrantes que ouvi.  O assunto não é novo: havia tratado dele na postagem de 12.07.2015, sob o título "O quê e a falsa regência". 

Em nossos discursos orais, costumamos empregar mais palavras de reforço do que nos escritos.  Isso se deve ao fato de haver necessidade de firmarmos conceitos, explorarmos explicações que têm de ser fixadas nesse tipo de comunicação.  Embora nos cerquemos da linguagem não-verbal para completar lapsos de vocabulário e de memória que possam ocorrer em nossa comunicação, repetimos vocábulos e estruturas, além de criarmos âncoras (marcadores conversacionais) para mantermos o interesse do nosso ouvinte - ou ganharmos tempo para a construção do próximo pensamento e elocução. 


Parece complicado o que acabei de afirmar? Talvez este diálogo possa esclarecer: 

          - Então, Pedro, o que foi decidido?
          - Bem, na verdade, ainda não houve decisão... Hummm, talvez mais tarde, bem, temos de decidir logo,  mesmo porque não podemos esperar mais. 

Essa é a expressão da oralidade seguida, certamente, de gestos, expressões faciais, tonalidades de voz, apesar de não registramos - por escrito - o conteúdo do diálogo dessa forma.  E não podemos nos esquecer de que, à custa de tanto usarmos determinadas palavras, construções  e expressões na língua oral, acabamos por registrá-las por escrito. 

Você se já ouviu empregando as expressões abaixo? ou as leu nos seus textos escritos? 

                    mesmo porque, até porque, quase que, enquanto que...

Todas elas trazem acréscimos desnecessários para a compreensão dos textos, além de estarem com erros de construção.  Diretamente ao ponto: 
          mesmo porque - porque é conjunção e, na L.Portuguesa, não existe palavra que 
          caracterize conjunção; assim, o correto é usar apenas porque;
                   
          até porque  - mesma explicação; a preposição "até" não se justifica ao lado do 
          porque;
          
          quase que - quase  é advérbio e, na L.Portuguesa, não existe palavra que a 
          caracterize.  O  que é uma das âncoras de que falamos acima; basta empregar 
          apenas o quase; 
                   
          enquanto que  - enquanto é conjunção com valor temporal. Não há o emprego 
          com o  que.  A existência dele, ao lado do enquanto,  só se justifica como âncora. 
          Use apenas a conjunção. 

Veja agora, as construções erradas e, em seguida,sua redação correta; 

Errado:   Não discutiremos até sábado, mesmo porque a reunião foi marcada para sexta.
Correto:  Não discutiremos até sábado, porque (pois) a reunião foi marcada para sexta. 

Errado:   Estudaremos amanhã, até porque depois de amanhã será a prova.
Correto:  Estudaremos amanhã, porque (pois) a prova será depois de amanhã. 

Errado:   Quase que eu contei as alterações propostas. 
Correto:  Quase contei as alterações propostas.

Errado:   Faça o esboço da proposta, enquanto que eu refaço os cálculos. 
Correto:  Faça o esboço da proposta, enquanto refaço os cálculos.    

Como pode ver, a linguagem simples, sem afetação, é sempre a melhor e mais fácil de ser construída.  Separe da escrita a língua oral, quando precisar apresentar um nível melhor de linguagem.

Boa semana, com bons textos. 

sábado, 5 de setembro de 2015

Cariocas e paulistas: vocês querem que eu falo com eles?

A velha divergência linguística entre paulistas e cariocas tem aparecido com maior frequência ultimamente, na queixa desses últimos. Desta vez, em frases como a do nosso título e mais:
          - Você quer que eu vou?
          -  Paulo,  quer que eu faço? 
           
Paulistas e paulistanos: desta vez tenho de concordar com os cariocas.  O que está acontecendo conosco?  Faltam-nos noções de conjugação verbal.  Vamos tentar recuperar as construções corretas e deixar os cariocas felizes? 

Emprego o modo indicativo, quando quiser exprimir  realidade, certeza, seja no presente, no pretérito, no futuro:

          Amanhã irei até o cliente e resolverei a questão. 
          Ontem estivemos em visita à fábrica e vimos o estoque muito baixo. 
          Procuro um profissional que saiba lidar com isso efetivamente. 
           

Empregarei o modo subjuntivo quando quiser exprimir dúvida, incerteza, hipótese, possibilidades, no presente, no pretérito e no futuro: 

          Talvez eu à fábrica na próxima semana e verifique nossos estoques locais.
          Se eu fosse você, conversaria com os clientes e reajustaria seus pedidos. 
          Quando terminarmos os levantamentos, teremos os números finais dos                                      investimentos. 

Os vocábulos assinalados em vermelho pressupõem dúvida, incerteza, possibilidade, por isso levam os verbos para o subjuntivo (conjuntivo em Portugal e Espanha).   Se eu estiver certa de que as situações ocorrerão, usarei o indicativo: 

          Eu vou (ou irei) à fábrica na próxima semana...
          Como sou muito parecida com você, conversarei com os clientes...
          Terminaremos os levantamentos e ... 

Vamos deixar bem claras as finalizações.  Se eu souber, se estiver certa do que acontece, aconteceu, ou acontecerá, empregarei o indicativo: 

               (Deixe que) nós visitamos a fábrica.  
               Paulo, (deixe que) eu converso com o cliente.
               (Deixe que) terminamos (ou terminaremos) essas planilhas. 

Se eu não souber, não tiver certeza do que acontece, aconteceu ou acontecerá (por isso pergunto a alguém se, se ele quer que...), usarei o subjuntivo: 
   
               Você quer que eu fale com eles?
                Paulo, você precisa que eu faça o levantamento? 
               Ana Carla, vocês querem/desejam que nós perguntemos ao cliente?

Cariocas queridos:  vocês querem que eu fale com os paulistas e os corrija? Este texto serviu para isso. 

Um abraço.