domingo, 29 de março de 2015

Por que há dúvidas nos porquês?

Se ensinaram a você, como ensinaram a mim,  que "porque - junto -  na resposta, por que - separado - na  pergunta", garantiram um grande número de dúvidas ao longo de nossos trabalhos escritos.  Porém, graças a professores excelentes, aprendi que isso não era bem verdade e poderia ser resumido a um modo mais fácil, simples e definitivo. Existem apenas dois porquês - ambos num único vocábulo: um com acento, outro sem. Estar numa pergunta ou numa resposta não garante sua escolha. 

Porque, sem acento e num único vocábulo, é uma conjunção e, como tal, pode ser substituído por pois (um único vocábulo e sem acento, também). Ex.: Ângela não veio porque não foi convidada? Porque ninguém mais se decidiu, Stella tomou a iniciativa.

Porquê é um substantivo e pode ser pluralizado.  Pode ser substituído por um sinônimo: dúvida, indagação, problema, curiosidade (e seus plurais).  Exs.: Lílian só assinará o contrato se lhe explicarem este porquê. Carla Eugênia encarregou-se de esclarecer todos os porquês aos clientes.

Que - entre várias funções e relações que estabelece, pode ser um pronome relativo. Nesse caso, pode ser substituído por o qual, a qual, os quais, as quais. Ex.: O TCC que estamos redigindo trata das variações cambiais e do crescimento econômico.  (= O TCC o qual  estamos redigindo...). Quando atuar como substantivo, pode ser pluralizado: Seus quês soam como indagações.  Este quê pode ser retirado do texto sem prejuízo do sentido. Por essas possibilidades,  pode ser tônico (e será acentuado) ou átono (sem acento). Exs.:  Quê?! Ele não vai?  Saiu da sala e disse não sei o quê.  Deixou a reunião que estava extremamente cansativa.

    Importante: como pronome relativo,  pode vir precedido de preposição, de acordo com a função sintática que desempenhar: a que, com que, de que, em que, por que, sem que.
      
    Exs.: O documento a que nos referimos... = O documento ao qual nos referimos...
             Os números com que  trabalhamos... =  Os números com os quais trabalhamos...
             A planilha de que falamos... = A planilha da qual falamos...
             O livro em que baseamos nossa pesquisa.  = O livro no qual baseamos...
             As aprovações por que batalhamos... = As aprovações pelas quais batalhamos... 
             Leve os contratos sem que não poderemos... = ... os contratos sem os quais... 

Por que é uma justaposição do pronome relativo precedido de preposição, como vimos acima.  Como são dois vocábulos, sempre poderão ser substituídos por outros dois ou mais: pelo qual, pela qual, pelos quais, pelas quais, por qual motivo, por qual razão. Exs.: Ninguém soube por que Adriana não veio à festa (= ...por qual motivo Adriana...).  Tony, por que  trouxe os chocolates ontem? (=... por qual razão trouxe...).    

Por quê - Caso esse pronome relativo, precedido de preposição, ocupe posição tônica na frase (final de frase, seguido de vírgula obrigatória, de ponto e vírgula) será acentuado. Exs.:  Denise pediu isso por quê, Gustavo? Marco Aurélio e Rômulo querem esse documento  para quê? Miguel e o pessoal de apoio mostraram-nos uma dúvida no documento que se refere não sabemos a quê.   

Espero, com isso, tê-lo ajudado a rever seus conceitos a respeito dos porquês, porque não são tão complicados quanto nos apresentaram. 

Uma ótima e Santa Semana a todos.    

domingo, 22 de março de 2015

Preposições e regência (I)

   As preposições - um pouco de história

   
As preposições são poucas em nossa língua como o eram em latim. Nessa língua, as desinências (terminações das palavras) muitas vezes dispensavam o uso da preposição. Por exemplo: Curriculum Vitae.  A desinência -ae nas palavras da 1.ª declinação latina, cuja maioria são vocábulos femininos, trazia embutida a preposição
de; por isso uma tradução dessa expressão é "Curso da Vida". Essa preposição, entre vários significados, indicava a origem, a procedência, como vemos em: puella Romae: uma menina (que veio) de Roma.

   
Na 3.ª declinação, em que está a maioria dos vocábulos latinos, a desinência é -is: amor matris (amor de mãe), liber Ciceronis (livro de Cicero). Por extensão, o povo tirou gratiae (de graça) da 1.ª declinação e passou-a para a 3.ª: gratis. O que veio a dar "grátis" em Português, com o significado de "de graça".  Por isso não se deve dizer "de grátis"! Essa mesma desinência (-is) foi absorvida pela língua inglesa, quando houve a dominação na Grã-Bretanha pelos romanos e a imposição da língua latina como oficial. Nasce, então, o genitivo (de posse) no Inglês: Paul's book.   O 's reduz a desinência -is, mas mantém a ideia da posse. 


      Voltando ao século XXI, recuperando as preposições na língua portuguesa, temos as essenciais, que nos são ensinadas na escola fundamental:            

                      a, ante, após, até; com, contra; de, desde; em, entre;
                         para,per,
perante, por; sem, sob, sobre; trás. (1)

   
Além delas, existem as locuções prepositivas (duas ou mais palavras que, juntas, equivalem a uma preposição) e as preposições acidentais (aquelas que, oriundas de outras classes gramaticais, podem atuar, em determinadas situações, como preposições). 

   
As preposições, no estudo das línguas,  estabelecem relações entre palavras (mão de obra, copo de leite, horário da noite, festa na empresa, ...) ou entre orações (para descobrirmos, até conseguirem, sem se estabelecer, ...).


    Preposições e regência  

   
 Como comentamos numa página de janeiro de 2015, a regência está ligada a complementos de verbos, substantivos, adjetivos ou advérbios: ela exige ou não preposição? qual ou quais? As preposições carregam informações e isso nos obriga a pensar nelas e sobre elas quando, em nossos textos, precisamos empregá-las.  Veja esta construção: 

             
             
Na visita ao cliente, comentamos sobre os novos preços dos importados,
                    o que implicará em revisão e aumento em nossas tabelas.

   
Você consegue ver a impropriedade de duas das preposições? Não?  Talvez esteja acostumado a ler e ouvir essas construções e nunca parou para refletir sobre elas. Pior: talvez as empregue, sem saber que não são as melhores...

   
     "Comentar" pede complemento imediato (sem preposição):
Comentamos sua atitude.              Eles comentaram o conteúdo do relatório. 

    

      O verbo "implicar", com o sentido de acarretar,  pede,  também, complemento direto, imediato: O novo projeto implicará contratações. A compra do material implica organização daquele que está no estoque. 

   
 Pode, também, pedir a preposição "com", o que mudará o sentido primeiro aqui exposto. Ganha a ideia de "criar caso", "não aceitar", "buscar discussão":  
Sérgio vive implicando com a irmã.  O diretor implica com esse tipo de planilha.

   
  Voltemos ao texto que propus para que você encontrasse os erros. O texto correto ficará: 

             
             
Na visita ao cliente, comentamos  os novos preços dos importados,
                    o que implicará revisão e aumento em nossas tabelas.

   
 Por favor: não diga que é difícil! É trabalhosa, exigente.  A regência é a parte mais trabalhosa das gramáticas das diferentes línguas faladas na vida profissional por todos nós. Mas - como em tudo - basta aplicar-nos, pensarmos, prestarmos atenção. Com o tempo e exercício, acertaremos. 

   
 O assunto continuará numa próxima oportunidade com novas possibilidades de correção.  Por enquanto fico por aqui. 

   
     Boa semana!

     ____________

      (1) Para complementar o capítulo específico sobre preposições, consulte as gramáticas de Evanildo                      Bechara (Gramática escolar da Língua Portuguesa) e de Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do        Português Contemporâneo); pode consultar também a página em                                                                          http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf81.php.

 

sábado, 14 de março de 2015

Meio, bastante, muito

Palavras variáveis e invariáveis

Recordemos: palavras variáveis são as que sofrem flexão. São elas: 
a. nominal -  de gênero (masculino, feminino), ou de número (singular, plural); 
b. verbal -  de pessoa, tempo, modo. 
Palavras invariáveis são aquelas que não passam por flexão. 

Na gramática da Língua Portuguesa, são consideradas classes variáveis: substantivo, adjetivo, artigo, numeral, pronome e verbo; invariáveis: preposição, advérbio, interjeição, conjunção. 

Essa volta ao passado escolar foi necessária para  tratar (hoje) de três palavras em cuja concordância às vezes as pessoas tropeçam: meio, bastante e muito.

Meio - pode ser: 
a. numeral - e por isso flexiona. Ex.: meio círculo; meio-dia (12 horas); meia dúzia; meios         litros; meias palavras;
b. advérbio (com o sentido de um pouco, um tanto) - não flexiona. Ex.:  meio cansado;             meio nervosos; meio zonza; meio atribuladas. 

Bastante - pode ser:
a. pronome indefinido (equivalente a muitos, vários) - e por isso flexiona.                               Ex.:  bastantes candidatos (muitos candidatos, vários candidatos); bastantes pessoas             (muitas pessoas,várias pessoas);
b. advérbio de intensidade - não flexiona. Ex.: correram bastante (correram muito);               costumam viajar bastante (viajam muito). 

Muito  - pode ser: 
a. pronome indefinido (equivalente a bastante, bastantes)  - e por isso flexiona. 
    Ex.: muitos clientes (bastantes clientes, vários clientes); muitas vezes; 
b. advérbio de intensidade - não flexiona. Ex.:  muito barato; muito cara; muito prepa-           rados; muito bonitas. 

   Importante: muito ou bastante , como advérbios de intensidade, podem juntar-se a              pronomes indefinidos, intensificando-os. Ex.:  Eles descansam muito pouco= eles              descansam bem pouco, pouquíssimo

Se isso você já sabia, repasse a informação para outros, porque ouço com frequência que "muito pouco não existe".  Pior do que essa justificativa simplista e errada é ouvir: Bastante pessoas estiveram na manifestação.

Boa semana, com muito boas vendas e bastantes lucros! 

sábado, 7 de março de 2015

Numerais e a concordância (II)



Em janeiro de 2015, trabalhamos dois casos de numerais e concordância nominal.  Desta vez, veremos mais dois;  agora,  com a concordância verbal. 

O primeiro deles refere-se a núcleos de sujeito representados por porcentagem. Ex.:  20% dos candidatos... 35,6% da população...  Nesses casos, a concordância verbal dá-se com o núcleo numeral, por mais que nos sintamos atraídos pelo adjunto mais próximo (dos candidatos, da população). Assim, o correto é: 

          20% dos candidatos entregaram os documentos para o concurso. 
         35,6% da população não se inscreveram no programa para a isenção do imposto. 
         1,5% de nossos executivos cursou Pós-Graduação.

O segundo deles refere-se a núcleos de sujeito representados por frações. Ex.: 1/5,  3/10, 5/15.  Nesses casos, a concordância verbal dá-se com o numerador da fração (1, 3, 5): 
           
          Apenas 1/5 de nossos clientes recebeu o comunicado.
          3/10 da sala de aula entregaram o trabalho sugerido.
          5/15 do meu relatório estão prontos.

Importante:  

  1. na leitura dos numerais fracionários,  quem orienta a concordância é sempre o   numerador, por isso dizemos: um quinto, três décimos, cinco quinze avos.  Se fosse 1/20, leríamos: um vinte avo,  do mesmo modo que dizemos um centavo, quando encontramos 1/100 (um centésimo, ou o correspondente - em dinheiro - a um centavo);
  2. pelo mesmo princípio, quando empregar um numeral expresso com decimais, a     concordância (tanto nominal quanto verbal) dá-se com o inteiro; 1,8 milhão de       pessoas recebeu a notícia da inauguração das fábricas. 


Exercite esse ajuste de concordância e tenha uma boa semana!  



            

domingo, 1 de março de 2015

Língua falada x língua escrita - deformações (I)

    Pronúncia e grafia:  E  ou I ? 

Muitas pessoas acreditam que escrevemos as palavras como as pronunciamos e você deve ter visto algumas vezes que isso não é verdade. 

A grafia da língua portuguesa é predominantemente etimológica. Isso significa que devemos procurar de onde vêm as palavras, sua formação (radical, prefixos e sufixos), para chegarmos à melhor grafia. 

Hoje vamos ver a importância de saber  isso, nos vocábulos com "e" átono.  Esse fonema pronunciado sem força (átono), chega próximo ao "i", como ouvimos em menino (/mininu/). Certamente que, na língua falada, na pressa com que nos comunicamos,  isso nem sempre fará diferença, mas na escrita, principalmente na profissional, essa realização é desprestigiada. 

Há palavras que, além de um certo repúdio pela sua deformação, trazem um significado diferente. Aí reside um perigo maior: a alteração de sentido.  São consideradas parônimas: parecidas na forma, diferentes no seu significado.  

Veja estas poucas, por exemplo: 

           eminente (grande, respeitável)  x iminente (prestes a acontecer);
           deferir (aprovar)  x   diferir (ser diferente).
Em outros vocábulos, observe a formação.  Os prefixos di-, dis- indicam mau êxito, mau fim, como em: 
             
            difamar, digladiar, disfunção, dislalia, dislexia, disenteria,...

             Obs.:  defamar, degladiar, desinteria não existem. São considerados                                                 hipercorreções: correções indevidas por se desconhecerem as fontes. 

Em outros, ainda, o "i" é vogal de ligação entre dois radicais: 
             
             dente + fricção = dentifrício;
             correr + mão = corrimão. 

Nesta semana um colega, professor exigente, contou-nos a respeito do texto de um aluno descuidado que escrevera "entremiados", em lugar de 'entremeados'. Certamente esse aluno não pensou na formação do vocábulo. Ele buscava dizer, certamente, que entre uma coisa e outra aconteciam fatos que se colocavam entre, no meio de; daí, entremeados.  E não conseguia perceber que, diferentemente,  "entre miados (de gatos) ouviam-se latidos".

Procure,  em seu vocabulário cotidiano, quais palavras podem - se mal pronunciadas - trazer um significado diferente, ou uma deformação.  Corrija-as, capriche na pronúncia e na escrita e... 

bom trabalho!