Uma dúvida ortográfica
Começamos a conversar sobre nossa ortografia em fevereiro de 2015. Hoje será nosso segundo encontro a respeito dela.
Um jovem aluno executivo pergunta-me: Por que há substantivos cujo feminino é feito com "s" em vez de "z"? Respondo: Tudo depende da sua origem, da etimologia. Explico. Voltemos ao Latim, base da formação de nossa grafia. Em Latim, os vocábulos eram grafados com "s". O "z" aparecia em vocábulos vindos do Grego para o Latim, em início de nomes próprios: Zeus, Zenão, Zêneca, Zenith, ...
Grafam-se com "-ês" (masculino) ou "-esa/-isa" (feminino), os substantivos que indicarem:
a. nacionalidade - português, portuguesa; francês, francesa; japonês, japonesa...;
b. classe social - burguês, burguesa, burguesia; freguês, freguesa, freguesia...;
c. títulos de nobreza - príncipe, princesa; marquês, marquesa; barão, baronesa*...;
c. profissões femininas - profeta, profetisa; píton, pitonisa**; sacerdote, sacerdotisa,...
Esses substantivos guardam sua origem (latina ou grega) como em mesa, casa, rosa, vaso, glicose, análise, pesquisa, ...
Grafam-se com "-ez" ou "-eza" os substantivos abstratos formados com base em adje- tivos:
surdo > surdez; rápido > rapidez; gago > gaguez; pequeno > pequenez;
belo > beleza; lindo > lindeza; limpo > limpeza; triste > tristeza; ...
Ortografia tem história...
Haverá quem pergunte: E juíza? É profissão feminina, no entanto grafa-se com "z". Bem, juíza é feminino de juiz, grafado com "z" pela etimologia, também. Por quê? Veja a história da palavrinha.
O vocábulo "juiz" em latim era judicem. Na boca do povo, o -"m" deixou de ser pronunciado (como também hoje tem acontecido em Português, em homem, ontem, jovem, garagem,...). Gerou-se uma forma judice, cuja sílaba tônica era o "di", pronunciada alongadamente. O que se ouvia, então era um final "ss" > judiss. O"d" intervocálico deixou de ser pronunciado e, por isso, surgiu juiss. Como não existem palavras em Português terminadas por dois esses (ss), convencionou-se que esse som duplo final seria grafado "z". Abaixo, o esquema da evolução do vocábulo:
judicem > judice > judiss> juiss > juiz
E o feminino, por isso, fez-se com o acréscimo do "-a" à forma masculina: juiz > juíza.
Precisarei estudar Latim para saber tudo isso? Bem que eu gostaria que fosse possível, mas não o sendo (gostou?), permita-me uma dica que eu ensinava aos meus alunos de segundo e terceiro anos da escola fundamental: busque a família da palavra. Se em alguma das derivadas houver um "c" (original do Latim), nesse local nasceu tardiamente um "z". Veja:
veloz (velocem) > velocidade, velocípede, velocímetro;
feliz (felicem) > felicidade, infelicidade, felicíssimo;
voraz (voracem) > voracidade;
luz (lucem) > lucidez, lúcido e, finalmente, o nosso
juiz (judicem) > judicial, judiciário.
Como vê, é muito linda e rica nossa história linguística, não? Mas, por hoje, basta. Quero que você ame nossa língua tanto quanto amo. E até mais um pouco de Latim você aprendeu aqui...
Pode exibir-se. Faz parte do aprender e saber.
Boa semana.
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* Importante: conde > condessa; visconde (vice+conde) > viscondessa são formas que vieram do Italiano para o Português e, por isso, grafam-se com dois esses (ss).
** "Os
gregos davam o nome de Pitonisas a
todas as mulheres que tinham a profissão de adivinhas, porque o deus da
adivinhação, Apolo, era cognominado de Pítio, quer por haver matado a
serpente-dragão Píton, quer por ter
estabelecido seu oráculo em Delfos, cidade primitivamente chamada Pito. A Pitonisa era a sacerdotisa do oráculo
de Delfos." Disponivel em: http://www.dicionarioinformal.com.br/pitonisa/ . Acesso em 07.06.2015 à 1h05.